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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O famoso "jeitinho" brasileiro

Existem muitas coisas que caracterizam este país. Entre elas, podemos citar a
tolerância com que nós, brasileiros, aceitamos as “transgressões leves” ou, se
preferir, os pequenos delitos. Trata-se, além do futebol, samba e carnaval, de
uma instituição nacional. Iniciarei este editorial citando as mais comuns:
  • As famosas festinhas que não respeitam horários e incomodam os vizinhos.
  • Furar filas nos mais diversos locais em que elas são necessárias e ainda se
    passar por esperto.
  • Há aqueles que, ao primeiro sinal de engarrafamento, põem o carro no
    acostamento e seguem em frente.
  • Há outros que “levam” pequenas lembranças de hotéis e companhias aéreas.
    Você que não leva nada (burro) está pagando por esses custos, sabia? As
    empresas, que não são burras, agregam esses valores nos preços finais.
  • Os que pagam metade da tarifa do ônibus ao “acertarem” esse valor com o
    trocador e passam por baixo da roleta.
  • E o pai que condena veementemente a cola, desde que ela seja praticada pelo
    filho do vizinho. Se o dele assim proceder, é esperteza.
Dessas
pequenas transgressões, podemos evoluir para mais algumas. Nada, também, muito
sério:
  • Aquele dinheirinho que a gente paga para o guarda “esquecer” aquela infração
    de trânsito insignificante.
  • O varejista que se aproveita da boa-fé do cliente. Você acha que isso não
    acontece? Então, vai ver que a famosa expressão “freguês de carteirinha” nasceu
    de geração espontânea! Aliás, em que outro país do mundo, além do Brasil, a
    palavra “freguês” é sinônimo de otário?
  • Há os que exaltam o elevado índice de malandros que habitam o Congresso
    Nacional, mas que não perdem a oportunidade de comprar um CD pirata na feirinha
    da cidade.
  • Aliás, o mesmo lojista que denuncia os vendedores de CDs piratas pratica o
    famoso caixa dois. Acho que ele se baseia no famoso ditado: “Ladrão que rouba
    ladrão tem cem anos de perdão”.
Como crimes – sejam eles pequenos ou
não – quase sempre mantêm conexões com outros crimes, chegamos a coisas do tipo:

  • O dublê de bom-moço e bicheiro Waldemir Paes Garcia, codinome Maninho,
    lembra? Foi assassinado anos atrás no Rio de Janeiro. Pobre cidadão. Comoção
    estadual. Claro, durante muitos anos o jogo do bicho foi visto como algo
    positivo, uma expressão lúdica da personalidade tupiniquim, uma transgressão
    leve. Afinal, as 1,4 mil bancas do jogo e os 7 mil caça-níqueis que ele
    controlava na cidade maravilhosa geravam empregos. Foi isso que me fez entender
    o porquê das diversas celebridades que se apresentaram no funeral do rapaz.
    Entre elas, estavam lá: Edmundo, “o Animal”; o “páginas amarelas” da
    Veja, Romário; o ídolo do Flamengo, Grêmio e Fluminense, Renato Gaúcho
    (atual técnico do Grêmio), além de famosos da sociedade carioca.
  • Durante a campanha do desarmamento, houve indivíduos que construíram armas
    com o intuito de faturar um “extra”.
  • Várias pessoas se apresentaram como vítimas do desabamento do Palace II.
    Também queriam ver se faturavam um “extra”. Ajudem-me a elucidar um dilema: quem
    é pior, o Sérgio Naya ou as falsas vítimas de seu empreendimento picareta?
  • E o Gugu, famoso ex-apresentador do SBT, que autorizou uma falácia para
    milhões de telespectadores e continua livre, leve e solto. Lembra-se disso?
A cultura da esperteza e do trambique – só o leve, é claro – está tão
arraigada em nossa sociedade que ser um cidadão modelo exige que se reme contra
a maré ou que se beire a santidade. Não à toa, a figura do malandro virou até
ópera. Por essas e outras, passei a diferenciar esperteza de inteligência,
apesar de serem sinônimos.

Para mim, esperto é o cidadão que vive de
pequenos golpes e vai passar toda a sua vida pensando no curto prazo e escapando
de seus perseguidores – como o personagem Sísifo, da mitologia grega. O
inteligente é aquele cidadão que vai desenvolver sua vida de forma a não ter de
aplicar pequenos golpes nem passar todo o tempo tentando burlar a lei. Ele vive
para o longo prazo e dorme com a consciência tranquila. Por mais que, muitas
vezes, passe por burro, freguês e otário.


Júlio Clebsch
Gerente editorial da revista
Liderança
julio@lideraonline.com.br

Um comentário:

  1. Tudo isso que foi relatado aqui, é uma questão de cultura e, INFELIZMENTE, é essa a cultura do nosso Brasil: "ser esperto" e "levar vantagem"...
    E é com isso que temos que conviver... uma pena!

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